Amilase sérica: como entender os valores altos e baixos desse exame de sangue?

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A amilase sérica pode ser utilizada no diagnóstico de algumas doenças. Vamos explorar neste texto a importância da amilase sérica e como interpretar os resultados.

 

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A amilase sérica (AS)

A amilase é uma enzima produzida por muitos órgãos, principalmente pelas glândulas salivares, pâncreas, músculo estriado e pulmões, por exemplo. Uma das formas de amilase, a amilase salivar (ou forma S), é responsável pela degradação de carboidratos complexos como o amido, em carboidratos mais simples, como maltose e dextrina na cavidade bucal, sendo sua atividade cessada pelo baixo pH estomacal. Já a amilase pancreática (ou forma P) também é responsável pela quebra dos açúcares complexos a carboidratos simples, entretanto, tem atividade ótima em pH levemente alcalino do intestino delgado, condicionado pelo suco entérico. Desta maneira, conhecendo sua atividade relacionada principalmente a digestão, o que poderia significar sua presença no plasma?

 

A Amilase Sérica como marcador fisiopatológico

O exame de amilase sérica (AS) leva em consideração a presença de amilase no sangue. Seu papel no contexto das ciências biomédicas é relacionado como marcador de lesão tecidual, sobretudo em doenças do metabolismo das glândulas salivares e do pâncreas. Podemos citar como exemplos a pancreatite aguda; abscessos, cálculos ou obstruções dos ductos pancreáticos, ou ainda inflamações nas glândulas salivares (parotidite infecciosa – caxumba – ou não).
Outras doenças e condições fisiopatológicas não relacionadas a estes órgãos também mostram concentrações elevadas de amilase sérica, como neoplasias de pulmão e de ovários, úlceras no trato digestório, apendicite aguda e a gravidez ectópica. Outros casos não relacionados a patologias, mas condições clínicas como traumatismos cranianos e abdominais também elevam as concentrações de amilase sérica. Em contraponto, algumas condições clínicas são marcadas pelos valores reduzidos de amilase sérica, como insuficiências pancreáticas, causadas pela fibrose cística, por exemplo. A amilase pode ser detectada na urina, uma vez que é filtrada pelos glomérulos renais devido ao seu peso molecular entre 40 e 50 kDa.
Ainda, uma pequena parcela da população (de 0,4% a 1%) apresenta a macroamilasemia, uma condição onde a amilase sérica agrega-se às imunoglobulinas (como IgG e IgA), formando um complexo molecular grande e pesado. Sua ocorrência normalmente não é associada a uma patologia específica, embora possa ser observada em pacientes de pancreatite autoimune. O diagnóstico da macroamilasemia se dá principalmente pela elevação da amilase sérica sem a observação de elevações da amilase na urina. De toda forma, recomenda-se o estudo da condição clínica do paciente antes do fechamento do diagnóstico.

 

O exame de Amilase Sérica e os valores-referência

Para a avaliação da amilase sérica, utilizam-se amostras de sangue, coletando-se preferencialmente o soro (a utilização do plasma heparinizado também é válida). Na utilização de sangue, não se necessita do jejum do paciente, embora se recomende que este não tenha ingerido bebidas alcóolicas por pelo menos 12h antes da coleta. O método normalmente empregado para dosagem da amilase sérica é o método colorimétrico de Caraway modificado, utilizando o soro ou plasma heparinizado, dado que oxalatos, citratos e fluoretos inibem a atividade da amilase – estes são normalmente utilizados como anticoagulantes – e deve-se evitar a hemólise da amostra a fim de reduzir ruídos nos resultados.
O princípio do método consiste na quantificação do amido não catabolizado pela amilase presente na amostra. O amido em soluções de sais de iodo forma uma solução azulada. Ao incubar-se o substrato (amido) com a amostra a 37 °C por um período padronizado e ao final, adicionar-se uma solução de iodo, propõe-se que quanto maior a atividade da amilase, menor será a intensidade do azul da solução final. Para a quantificação da intensidade colorimétrica, utilizam-se leitores espectrofotométricos no comprimento de onda de 660 nm.
O resultado da reação é normalmente expresso em unidades de amilase/100 mL de soro, mas pode ser calculado pela absorbância final da reação (Absorbância Branco da Reação – Absorbância da Amostra x Absorbância do Branco da Reação-1) multiplicada pelo fator de correção de acordo com a quantidade de amido utilizada na reação, volume de solução utilizado e tempo de incubação (que pode variar entre métodos e laboratórios). Atualmente, preconiza-se que os valores normais de amilase sérica estão no intervalo de 60 a 160 U/dL.

Amilase sérica método de Caraway

Legenda: O método de Caraway leva em consideração a interação entre o iodo e as cadeias de açúcares como o amido. O iodo é aprisionado nas estruturas α-hélice das moléculas de açúcares e a concentração de amido restante (consequentemente não processado pela amilase contida na amostra) é determinado por esta propriedade a partir da medida da intensidade do azul na solução pela leitura espectrofotométrica a 660 nm. Fonte: https://www.quora.com/What-happens-if-you-place-a-bag-of-starchy-water-into-a-beaker-of-iodine-Where-would-the-molecules-go

 

Interpretando os resultados do exame de amilase sérica

Devido ao fato de que a dosagem de amilase sérica é um método muito utilizado para o diagnóstico de pancreatite aguda, uma doença grave que pode resultar em desfechos muito agressivos, sua descrição nesta condição recebe destaque. Assume-se que concentrações três vezes maiores do que os valores normais já indicam fortemente a pancreatite aguda. Em alguns casos, como o de pacientes com insuficiência renal, no entanto, este limiar é ainda maior: cerca de cinco vezes. Existem outros quadros de pancreatite aguda, no entanto, que simplesmente não demonstram qualquer alteração nas concentrações séricas de amilase, como no caso da pancreatite alcóolica aguda ou pancreatite hiperlipidêmica. Desta maneira, outros exames, como a investigação da lipase sérica, parâmetros bioquímicos hepáticos, exames de imagem como ultrassonografias também são utilizados no diagnóstico da pancreatite.

 

Pancreatite aguda x amilase alta no sangue

As concentrações de amilase aumentam no sangue devido ao quadro inflamatório no tecido pancreático, induzindo dano tecidual e consequente extravasamento das enzimas ao sangue. No caso da pancreatite aguda, observam-se as concentrações elevadas de amilase no sangue logo nas primeiras horas, sendo normalizadas com o tratamento bem-sucedido. Nos casos de pancreatite aguda sem o aumento da amilase sérica, a combinação de outros exames, como o da lipase sérica, permite a melhor identificação da patologia. A combinação com os resultados obtidos no exame de amilase na urina pode aumentar o poder diagnóstico. Assim, mesmo que a amilasemia indique a ocorrência da pancreatite, não é um fator capaz de estratificar sua magnitude.

 

Outras doenças relacionadas com aumento da amilase sérica

A interpretação de resultados de exames para as outras patologias relacionadas ao aumento da concentração sérica de amilase podem seguir o mesmo raciocínio, dado que a amilase não é expressa exclusivamente nas células pancreáticas. Desta forma, o câncer de pulmão, de ovários, a apendicite aguda, úlceras e perfurações no trato digestório ou ainda, a gravidez ectópica, elevam as concentrações de amilase sérica pelo mesmo princípio: quadros similares à inflamação induzem o extravasamento de conteúdo celular ao sangue. É notável, no entanto, que cada patologia apresente elevações características e para seus diagnósticos exigem-se também outros exames para a confirmação.

 

O que significa amilase baixa no sangue?

Na interpretação de valores diminuídos da amilase sérica, considera-se frequentemente a insuficiência pancreática (as células pancreáticas tornam-se ineficientes, inclusive para a produção de amilase) ou pancreatite crônica, na qual se observa a destruição do tecido pancreático, consequentemente diminuindo a produção de amilase, embora não seja um marcador muito utilizado com esta finalidade.

 

Existe alguma relação entre lipase e amilase?

A maior especificidade da lipase em relação à amilase caracteriza a relação entre ambas as enzimas como marcadores para a pancreatite aguda. A lipase e amilase aumentam em conjunto nas primeiras horas após o início dos sintomas, embora apenas as concentrações de lipase se mantenham elevadas por mais de 72 horas. Ainda, também se observa uma relação entre ambas na pancreatite crônica, sendo as concentrações de amilase e lipase diminuídas, compondo o quadro de maneira mais específica.

 

Outras condições clínicas e interferências no exame de amilase

A utilização de alguns medicamentos, como anti-hipertensivos (enalapril), diuréticos (hidroclorotiazida), antibióticos (tetraciclina) ou analgésicos (morfina) podem elevar a amilase sérica de maneira transiente. No caso específico da morfina ou outros, a constrição do esfíncter de Oddi e dos ductos pancreáticos, dificultando a secreção no trato digestório, é responsável pelo aumento sérico observado. Frequentemente observa-se o aumento da amilase sérica em traumatismos abdominais ou cranianos. Embora não seja um marcador muito específico para esta condição, a dosagem da amilase sérica logo nos três primeiros dias consecutivos aos incidentes demonstra que a amilase sérica também pode ser utilizada como um fator preditivo para a necessidade de futuros tratamentos, embora sua interpretação dependa de um conjunto de exames, como de imagem ou bioquímicos (como a avaliação das enzimas hepáticas).

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Alcoolismo x Amilase Sérica

Conhece-se também que o alcoolismo também pode aumentar as concentrações de amilase sérica. Embora na intoxicação alcóolica aguda o aumento da amilase sérica esteja associado aos efeitos diretos nas glândulas salivares, o alcoolismo crônico destrói o tecido hepático e o tecido pancreático, diminuindo gradualmente as concentrações de amilase sérica. Desta maneira, a dosagem de amilase sérica perde sensivelmente seu poder de diagnóstico de pancreatite em pacientes etilistas. Neste caso, a dosagem da lipase sérica assume melhor poder diagnóstico.

 

Amilase Sérica X Resistência à Insulina

Condições que diminuem a amilase sérica estão frequentemente associadas a menor capacidade de produção de insulina pelo pâncreas ou pela resistência à insulina em quadros de obesidade ou diabetes mais avançados. A fibrose cística afeta diretamente o funcionamento de órgãos dos tratos respiratório e digestório, inclusive o pâncreas. Assim, a disfunção causada ao pâncreas (pela obstrução dos ductos pancreáticos) está diretamente associada a menor capacidade de produção de amilase em decorrência dos danos teciduais sofridos.

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Legenda: Tomografias Computadorizadas representativas de quadros de pancreatite aguda (esquerda) e crônica (direita). Ao passo que na pancreatite aguda se observa elevação pontual da amilase sérica, na pancreatite crônica, na qual frequentemente se observa a destruição do tecido pancreático, a amilasemia pode se mostrar reduzida. Na imagem, observa-se um quadro de pancreatite aguda edematosa e um quadro de pancreatite alcoólica crônica, com grau de calcificação muito alto (Fontes: http://www.rb.org.br/detalhe_artigo.asp?id=2529&idioma=Portugues e https://www.jornalciencia.com/alcoolismo-deixou-homem-com-pancreas-calcificado/).

Desta maneira, reunimos informações a respeito da importância da amilase sérica no diagnóstico de patologias, assim como a respeito da metodologia normalmente utilizada para sua detecção. A discussão sobre os resultados obtidos e como podem ser interpretados permite-nos concluir que sua principal aplicação é vista no diagnóstico da pancreatite aguda, porém também é utilizada como marcador para outras condições clínicas. Nestes casos, dado a especificidade limitada, salienta-se que seu resultado deve ser combinado a outros resultados para o fechamento do diagnóstico.

 

Referências

https://chem.libretexts.org/Bookshelves/Biological_Chemistry/Book%3A_Clinical_Chemistry_-_Theory%2C_Analysis%2C_Correlation_(Kaplan_and_Pesce)/02%3A_Laboratory_Exercises/2.21%3A_Amylase_(Modified_Caraway_Method)
https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/13724/2/Conceitos%20e%20Metodos%20V3_Bioquimica.pdf;Conceitos
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4800585/
https://www.scielo.br/pdf/rbti/v20n4/v20n4a08.pdf
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0004-28032007000100008&script=sci_arttext
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/000293439290070R
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0009912067800146

 

Autor

 

Leonardo André da Costa Marques – Biomédico, Mestre em Farmacologia

 

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